segunda-feira, 7 de abril de 2014

ROBSON E A SUA DESERTA ILHA (Relato de um jovem dependente do Crack.)

Acordei no chão da calçada como se eu fosse um barco naufragado. Todos os meus amigos estão mortos-vivos, compulsivos em pedras sem brilhos que são fumadas em cachimbos feitas de lata. Nunca vi algo tão horroroso e destrutivo. O sol escaldante batia em minhas costas. Olhei ao meu redor e não vi ninguém conhecido, estaria numa ilha deserta? Estava sujo, com sede e fome, sentindo-me abandonado. Tornei-me invisível. Falava com as pessoas, mas ninguém me respondia, ninguém me dava atenção. O medo começou a me tomar conta. Aquela pedra sem brilho algum... recordava-me que a tinha tocado com os lábios. Pura lascívia do diabo. Isso tudo para tentar ter coragem para chegar numa mina que há muito tempo eu olhava na escola. A biga de cigarro que observava no canto do paralelepípedo me convidava para uma fumada. Distrairia a minha fome por um tempo que parecia não passar. Horas, minutos, segundos não tinham mais sentido. Mesmo sentindo muito frio, tratei de arrumar um canto qualquer para dormir. Debaixo da ponte onde o rio passava estreito. Natália cadê você? O sono demorou a chegar. Noutro dia ainda com muita fome tentei encontrar os caras que tinham me apresentado à pedra sem valor e sem brilho algum. No lugar onde eles estavam só encontrei um cachorro velho, uma gata manca e diversas balas estragadas que não serviam para nada. Nem para por em cima da linha do trem para serem estouradas. Existe um lugar que os invisíveis frequentam e não incomodam, fazem até um favor para a sociedade. Estou falando do Mercado Municipal. Lá tem umas frutas e legumes que ficam pelo pátio à vontade. Quanto mais a gente cata, menos sujeira fica. “Meu futuro não parecia tão bom... Na verdade prometia ser triste, com poucas esperanças de salvação.” – Estava escrito num pedaço de papel de açougue sujo de sangue de carne. Será que tinha mais alguém nessa ilha? O maluco que escreveu isso, falava exatamente como eu estava me sentindo. Apesar da fome ter passado por hora, desanimado chorei muito, mas nenhuma lágrima saia dos meus olhos. Estaria desidratado? Seco por dentro? Subitamente senti uma raiva de Deus: Foda-se o pai eterno. Por que ele me abandonou? Por que ele deixou que esta tragédia abatesse sob a minha vida? Eu não consigo entender. A única coisa que eu pensava era em fumar aquela pedra de novo para suportar a dor de não tê-la por perto. As alucinações tomavam conta de mim, o rio tinha se transformado em uma grande cobra amarela, todos aqueles que tentavam me ver ficavam cegos como se eu tivesse cabelos paralisantes como Medusa. Arrebatamento? Não, eu não quero morrer aqui no meio da rua, sozinho. Eu não quero morrer. Não, eu não quero... Outra noite se aproximava, mas muito mais assustadora. A solidão tomava conta do meu ser, de todo o meu ser. Quem eu podia recorrer? Um pássaro branco parecido com uma pomba pousou em meus ombros como quem pousa nos ombros de uma estátua da Praça Conselheiro Rodrigues Alves. Seria a paz? A presença da paz? Olhei para o lado e vi a minha família se aproximando, por um instante achei que estivesse sofrendo novamente aquelas desastrosas alucinações. Eu não acreditava no que estava acontecendo. Depois de algumas péssimas horas nessa deserta ilha, a minha família guiada pelos ventos da Mãe Natureza conseguia me resgatar. Esperança...


 Rudolf Rotchild

Album de fotos Viagem para o Rio